VOCÊ NÃO ESTÁ NA PÁGINA PRINCIPAL. CLIQUE AQUI PARA RETORNAR



sexta-feira, agosto 25, 2006

ÍNDICE GERAL - MITOLOGIA

segunda-feira, agosto 21, 2006

História de Deuses e Heróis - Índice

Faetonte

HISTÓRIA DE DEUSES E HERÓIS


Faetonte era filho de Apolo e da ninfa Climene. Certo dia, um companheiro de escola do menino zombou da idéia de ser ele filho de um deus, e Faetonte, furioso e envergonhado, contou o ocorrido a sua mãe.

- Se sou, na verdade, de origem celeste – disse – dá-me, minha mãe, uma prova disso, que me assegure o direito de reclamar a honra.

Climene estendeu os braços para o céu, exclamando:

- Tomo por testemunha o Sol que nos olha, de que te disse a verdade. Se menti, seja esta a última vez eu contemplo esta luz. Não é preciso muito trabalho para tu mesmo ires averiguar; a terra onde mora o Sol fica próxima da nossa. Vai perguntar-lhe se te reconhece como filho.

Faetonte ouviu deleitado estas palavras. Viajou para a Índia, que fica junto das regiões do nascente, e cheio de esperança e de orgulho aproximou-se do destino, de onde seu pai começa o curso.

O palácio do Sol erguia-se muito alto, sobre colunas, reluzente de ouro e de pedras preciosas, com tetos de marfim polido e as portas de prata. A perfeição da obra sobrepujava o material. Nas paredes, Vulcano havia representado a terra, o mar e o céu, com seus habitantes. No mar, estavam as ninfas, algumas divertindo-se nas ondas, algumas correndo montadas em peixes, enquanto outras, sentadas nos rochedos, secavam os cabelos esverdeados pelo mar. Seus rostos não eram inteiramente semelhantes entre si, nem inteiramente diferentes, mas tal como devem ser os rostos de irmãs. A terra mostrava as cidades, florestas, rios e as divindades rústicas. Dominando tudo, estava esculpida a imagem do glorioso céu, e, nas portas de prata, os signos do zodíaco, seis de cada lado.

O filho de Climene subiu a escadaria de acesso e entrou no palácio de seu pai. Aproximou-se, mas parou a distância, pois a luz era mais forte do que podia suportar. Febo, ostentando uma veste de púrpura, achava-se sentado num trono, onde brilhavam diamantes. Ao seu lado direito e ao esquerdo, estavam de pé Dia, o Mês e o Ano e, a intervalos regulares, as Horas. A Primavera lá estava, com a cabeça coroada de flores, o Verão livre de seus trajos, com uma guirlanda de hastes de trigo maduros, o Outono com os pés manchados do caldo da uva e o Inverno com os cabelos cobertos de granizo. Cercado por estes ajudantes, o Sol, com os olhos que vêem todas as coisas, contemplou o jovem ofuscado com a novidade e o esplendor da cena e perguntou-lhe o motivo da visita.

- Ó luz do mundo ilimitado, Febo, meu pai, se me permites dar-te este nome, oferece-me uma prova, peço-te, pela qual possa ser reconhecido como teu filho.

Calou-se. O pai, pondo de lado os raios que brilhavam em torno da cabeça, fê-lo aproximar-se e disse-lhe, abraçando-o:

- Meu filho, mereces não ser repudiado e confirmo o que tua mãe te disse. Para pôr fim às tuas dúvidas, pede o que quiseres, e tua vontade será satisfeita. Tomo por testemunha aquele horrível lago, que nunca vi, mas pelo qual juram os deuses em seus compromissos mais solenes.

Faetonte imediatamente pediu para ter licença de dirigir por um dia o carro do sol. O pai arrependeu-se da promessa; três e quatro vezes, sacudiu a radiosa cabeça, advertindo:

- Falei levianamente. Este é o único pedido que deveria negar-te. Peço-te que o retires. Não é uma tarefa fácil, meu Faetonte, nem adequada à tua juventude e à tua força. Teu destino é mortal e pedes o que está além da capacidade de um mortal. Em tua ignorância, aspiras fazer o que nem os próprios deuses fazem. Ninguém, a não ser eu mesmo, pode guiar o flamejante carro do dia. Nem mesmo Júpiter, cujo terrível braço direito lança os raios. O início do caminho é uma ladeira, tão íngreme que os cavalos às primeiras horas da manhã mal conseguem subir; o meio fica tão alto no céu que eu mesmo mal consigo, sem susto, olhar para baixo e contemplar a terra e o mar estendidos aos meus pés. A última parte é uma descida rápida, e exige o maior cuidado ao guiar o carro. Tétis, que fica à minha espera, muitas vezes treme por mim, receando que eu seja precipitado das alturas. Ajunta a isto que o céu está constantemente girando e levando as estrelas consigo. Tenho de estar sempre em guarda, para que aquele movimento, que tudo arrasta, não me arraste também. Imaginemos que eu te emprestasse o carro, que irias fazer? Conseguirias manter teu curso, enquanto a esfera estivesse girando sob ti? Talvez penses que existem florestas, cidades, moradas de deuses, palácios e templos no itinerário. Ao contrário, o caminho corre nomeio de monstros aterradores. Passas junto aos chifres do Touro, em frente do Sagitário e perto das faces do Leão e onde o Escorpião estende seus ferrões numa direção e o Caranguejo na outra. E verás que não é fácil guiar esses cavalos, com seus peitos repletos do fogo que sai por suas bocas e narinas. Eu mesmo mal os posso governar, quando eles se mostram indóceis e resistem às rédeas. Cuidado, meu filho, para que eu não seja o doador de um presente fatal; desiste de teu pedido enquanto é tempo. Queres uma prova de que és fruto de meu sangue? Dou-te uma prova em meus temores por ti. Olha meu rosto. Se pudesses penetrar dentro de meu peito, verias ali toda a ansiedade paterna. Procura pelo mundo e escolhe o que a terra ou o mar contenham de mais precioso: pede sem medo de recusa. Apenas neste pedido imploro-te que não insistas. Não é a honra, mas a destruição que procuras. Por que me abraças e ainda suplicas? Terás, se insistires; o juramento está feito e deve ser mantido, mas imploro-te que escolhas mais sensatamente.

Calou-se; mas o jovem rejeitou todos os seus conselhos e manteve o pedido. Assim, tendo resistido tanto quanto pôde, Febo afinal encaminhou-se para onde estava o soberbo carro.

Era de ouro, presente de Vulcano; o eixo era de ouro, o timão de ouro e as rodas de ouro, os raios das rodas de prata. Ao longo da boléia, havia fileiras de topázios e diamantes, que refletiam o brilho do sol.

Enquanto o ousado jovem olhava com admiração, Aurora abriu as portas de púrpura do nascente e mostrou o caminho juncado de rosas. As estrelas retiraram-se, conduzidas pela Estrela d’Alva, que, última de todas, retirou-se também. Febo, quando viu a Terra começando a brilhar e a Lua preparando-se para retirar-se, ordenou às Horas que arreassem os cavalos. Elas obedeceram: tiraram das espaçosas cocheiras os corcéis alimentados com ambrosia e prenderam as rédeas. Então, o pai umedeceu o rosto do filho comum ungüento poderoso, tornando-o capaz de suportar o calor da chama. Colocou os raios em sua cabeça e, com um suspiro agoureiro, disse:

- Se, pelo menos nisso, meu filho, vais seguir meus conselhos, poupa o chicote, e sustenta as rédeas com força. Os cavalos seguem velozes por seu próprio gosto; o trabalho é conte-los. Não deves seguir o caminho direto entre os cinco círculos, mas afastar para a esquerda. Conserva o limite da zona mediana, evitando igualmente norte e sul. Verás as marcas das rodas e elas te servirão de guia. E, para que o Céu e a Terra possam receber cada um a quantidade devida de calor, não subas demais, senão incendiarás as moradas celestes, nem andes muito baixo, para que não ateies fogo à Terra; o meio é o caminho mais seguro e melhor. E, agora deixo-te entregue à tua sorte, que espero melhor para ti do que tu mesmo fizeste. A noite está saindo das portas ocidentais e não podemos atrasar por mais tempo. Toma as rédeas; mas, se, no último momento, teu coração fraquejar, e tirares proveito dos meus conselhos, fica aqui onde estás, em segurança, e deixa-me iluminar e aquecer a Terra.

O ágil jovem subiu no carro de um pulo, e, de pé, segurou as rédeas , deleitando, dizendo palavras de agradecimento ao relutante pai.

Enquanto isto, os cavalos enchiam o ar com seus relinchos e o ruído da sua respiração ardente, e escavavam o chão, com impaciência. As barras foram descidas e as ilimitadas planícies do universo estenderam-se diante deles. Investiram e fenderam as primeiras nuvens e passaram à frente das brisas matinais que haviam partido também do nascente. Os cavalos logo perceberam que a carga que transportavam era mais leve que a de costume; e como um navio sem lastro é sacudido de um lado para o outro no mar, assim o carro, sem seu peso costumeiro, era sacudido como se estivesse e vazio. Os coreis avançaram, deixando o caminho sempre trilhado. Faetonte está assustado e não sabe como guiar os animais; e nem que soubesse teria a força necessária. Então, pela primeira vez, a Ursa Maior e a Menor foram abrasadas de calor e teriam querido, se tal fosse possível, mergulhar na água; e a Serpente, que jaz enroscada em torno do Pólo Norte, entorpecida e inofensiva, com o calor sentiu reviver sua fúria. O Boeiro, dizem, fugiu, embora dificultado pelo peso de seu arado e de todo desacostumado aos movimentos rápidos.

Quando o desventurado Faetonte baixou os olhos para a terra, que agora se desdobrava em grande extensão embaixo dele, empalideceu e seus joelhos bateram um contra o outro de pavor. A despeito do clarão que o rodeava, seus olhos turvaram-se. Desejou jamais ter tocado os cavalos paternos, jamais ter sabido sua origem, jamais ter insistido em seu pedido. É levado como uma embarcação arrastada pela tempestade, quando o piloto nada mais pode fazer e limita-se às preces. Que fazer? Grande parte do caminho celeste ficara para trás, mas muito mais restava pela frente. Volta os olhos de uma direção para a outra; ora para o ponto de onde começara a corrida, ora para os reinos do poente, que deveria alcançar. Perdera o domínio de si mesmo e não sabia o que fazer – se encurtar as rédeas ou se afrouxa-las; esquecera os nomes dos cavalos. Vê com terror as monstruosas formas espalhadas pela superfície do céu. Aqui, Escorpião estendia seus dois grandes braços, com a cauda e as garras recurvadas estendendo-se por dois signos do zodíaco. Quando o jovem o viu, ressumando veneno e ameaçando com os ferrões, sua coragem fraquejou e as rédeas lhe caíram das mãos. Sentindo-as soltas em suas costas, os cavalos avançaram e, sem restrições, penetraram em regiões desconhecidas do céu, entre as estrelas, arrastando o carro em lugares sem estradas, ora a grande altura, ora quase junto da terra. Alua viu, com assombro, o carro de seu irmão correndo abaixo do seu próprio. As nuvens começaram a esfumaçar e os cumes das montanhas a se incendiar; os campos tornaram-se ressequidos de calor, as plantas murcharam, as árvores queimavam-se com seus ramos copados, as colheitas estavam em chamas! Incendiavam-se as montanhas cobertas de florestas. Atos, o Taurus, o Tmolo e o Etna; Ida, outrora celebrada por suas fontes, agora secas; Hélicom, o monte das musas, e o Hemo; o Etna, com fogo por fora e por dentro, o Parnaso, com seus dois picos, e o Ródope, obrigado, afinal, a perder sua coroa de neve. Seu clima frio não constituiu proteção para a Cítia, o Cáucaso incendiou-se; incendiaram-se o Ossa e o Pindo, e o Olimpo, maior que ambos; os Alpes, que tão altos se erguem no ar, e os Apeninos, coroados de nuvens.

Faetonte contemplou o mundo em chamas e sentiu o calor intolerável. O ar que respirava era como o ar de uma fornalha, cheio de cinza, e a fumaça estava negra como breu. Avançou sem saber para onde. Então, acredita-se, o povo da Etiópia tornou-se negro, pelo fato de o sangue ser forçado a subir tão subitamente à superfície, e formou-se, pela seca o deserto líbico, nas condições em que permanece até hoje. As ninfas das fontes, com os cabelos desgrenhados, choravam suas águas, e os rios também não tinham proteção entre suas margens; o Tanaus fumegava, e o Caico, o Xantux e Meandro, o Eufrates babilônico e o Ganges, o Tejo, com suas areias auríferas, e o Caister, onde se reúnem os cisnes. O Nilo fugiu e escondeu suas cabeceiras no deserto, onde ainda continuam escondidas. No ponto em que costumava descarregar no mar suas águas, através de sete bocas, apenas restaram sete canais secos. A terra ressequida criou fendas, através das quais a luz penetrou no Tártaro, amedrontando o rei das trevas e a rainha sua esposa. O mar evaporou-se. Onde antes era água, formou-se uma planície seca; e as montanhas que jazem por baixo das ondas ergueram a cabeça e tornaram-se ilhas. Os peixes procuraram as últimas profundidades e os delfins já não se atreviam a brincar à superfície, como de costume. Até mesmo Nereu e sua esposa, Dóris, com as Nereidas, suas filhas, buscaram as grutas mais profundas para refúgio. Três vezes Netuno tentou erguer a cabeça acima da superfície da água e três vezes teve de recuar, com o calor. A terra, embora cercada, como estava, pelas águas, com a cabeça e os ombros nus, protegendo o rosto com as mãos, olhou para o céu e, com voz enrouquecida, dirigiu-se a Júpiter:

- Ó pai dos deuses, se mereci este tratamento e se é teu desejo que eu pereça pelo fogo, por que poupas teus raios? Deixa-me, pelo menos, cair por tuas mãos. É esta a recompensa de minha fertilidade, de meus obedientes serviços? Foi para isso que forneci erva para o gado, frutos para os homens e incenso para os teus altares? Mas, se sou indigna de consideração, que fez meu irmão Oceano para merecer tal destino? Se nenhum de nós pode provocar tua piedade, pensa, peço-te, em teu próprio céu e vê como estão fumegantes ambos os pólos que sustentam teu palácio, que cairá, se eles forem destruídos. Atlas fraqueja e mal sustenta sua carga. Se o mar, a terra e o céu perecem, cairemos no antigo Caos. Salva o que ainda nos resta da chama devoradora. Pensa em nossa salvação, neste momento fatal!

Assim falou a Terra, e, vencida pelo calor e pela sede, nada mais pôde dizer. Então, Júpiter onipotente, invocando o testemunho de todos os deuses, inclusive daquele que emprestara o carro, e mostrando-lhes que tudo estaria perdido, a não ser que fosse aplicado um remédio urgente, subiu à torre altaneira de onde espalha as nuvens sobre a terra e arremessa os recurvados raios. Desta vez, porém, não havia uma só nuvem que pudesse ser usada para proteção da terra, em chuva que pudesse ser lançada. Júpiter trovejou e, erguendo um raio incandescente na mão direita, lançou-o contra o condutor do carro e arrancou-o, ao mesmo tempo, do seu lugar e da existência! Faetonte, com os cabelos em chama, caiu de cabeça para baixo, com o uma estrela cadente que marca o céu com seu brilho enquanto cai, e Erídano, o grande rio, recebeu-o e refrescou seu corpo ardente. As náiades italianas ergueram-lhe um túmulo e gravaram estas palavras sobre a pedra:

Aqui jaz Faetonte, que o paterno
Carro ousou dirigir, em vão. Contudo
Honrou-o a nobre audácia de tentá-lo.

Suas irmãs, as Helíades, enquanto lamentavam seu destino, transformaram-se em choupos, nas margens do rio, e suas lágrimas, que continuavam a cair, transformaram-se em âmbar, ao atingir a água.

Milman, em seu poema “Samor”, faz a seguinte alusão à história de Faetonte:

Como quando o universo horrorizado
Jazia mudo e quieto, quando o filho
Do Sol, dizem os poetas, o paterno
Carro levava por atalhos falsos.
Até que Jove o fulminou, e o mísero
Afogou-se no golfo junto ao qual
As irmãs, os seus ramos agitando,
Por ele choram lágrimas de âmbar.

Nos belos versos em que Walker Savage Landor descreve a concha marinha, há uma alusão ao palácio e ao carro do Sol. A ninfa da água diz:

Tenho sinuosas conchas, ostentando
Os matizes da pérola e que o brilho
Fazem lembrar do majestoso pórtico
Do palácio do Sol.

O próximo artigo desta série é MIDAS

RETORNAR AO ÍNDICE DE HISTÓRIA DE DEUSES E HERÓIS

quarta-feira, julho 12, 2006

Latona e os Camponeses

Este é o 8º artigo desta série. Os três últimos são:

05 - Juno e suas Rivais - Io
06 - Juno e suas Rivais - Calisto
07 - Diana e Actéon


Alguns acham que, neste caso, a deusa foi mais severa que justa, enquanto outros louvam sua conduta, como rigorosamente de acordo com seu recato virginal. Como sempre, um acontecimento recente traz ao espírito outro mais antigo e um dos que ouviram o episódio contou esta história:

“Alguns camponeses da Lícia insultaram, certa vez, a deusa Latona, mas não impunemente. Quando eu era jovem, meu pai, que estava demasiadamente velho para certos trabalhos, mandou-me à Lícia, para lá trazer um rebanho de gado selecionado e ali tive ocasião de ver o lago e os pântanos onde se passou o maravilhoso acontecimento. Perto fica um pequeno altar, enegrecido pela fumaça dos sacrifícios e quase escondido ente os juncos. Indaguei que altar seria aquele, se dos Faunos ou das Náiades, ou de algum deus das montanhas vizinhas, e um habitante da região respondeu-me:

- Nenhum deus de montanha ou de rio possui este altar, mas sim aquela a quem a real Juno, em seu ciúme, expulsou de terra em terra, negando-lhe um recanto qualquer onde pudesse criar os gêmeos. Trazendo em seus braços as divindades infantes, Latona chegou a esta terra, cansada e sedenta. Por aças, viu, no fundo do vale, esta lagoa de águas claras, onde a gente da região trabalha, colhendo junco e vime. A deusa aproximou-se e, ajoelhando-se à margem da lagoa, ia saciar a sede em suas águas , mas os rústicos a impediram que o fizesse.

- Por que me recusais a água? – ela perguntou. – A água pertence a todos. A natureza não permite que ninguém reclame direitos de posse sobre a luz do sol, o ar ou a água. Venho compartilhar meu direito a um bem comum. Peço-vos, no entanto, como um favor. Não pretendo lavar nelas meus membros, por mais extenuada que esteja, mas apenas matar minha sede. Tenho a boca tão seca, que mal consigo falar. Um gole de água será o néctar para mim; há de reviver-me, e ser-vos-ei grata como pela própria vida. Possam estas crianças, que estendem os bracinhos, como que pedindo por mim, mover-vos à piedade!

Realmente, as crianças, enquanto ela falava, estendiam os bracinhos.

Quem não se comoveria com estas ternas palavras da deusa? Ms aqueles rústicos persistiram em sua rudeza; chegaram a acrescentar insultos e ameaças de violência se ela não abandonasse o local. E não se limitaram a isso. Entraram na lagoa e agitaram a lama com os pés, de maneira a tornar a água imprópria para ser bebida. Latona sentiu-se indignada a tal ponto que nem mais pensou em sua sede. Já não implorava aos rústicos, mas, levantando os braços para o céu, exclamou:

- Possam eles jamais deixar esta lagoa, mas passar nela suas vidas!

E isto aconteceu. Eles agora vivem na água, às vezes inteiramente submergidos, outras vezes levantando as cabeças à superfície ou nela nadando. Às vezes, saem para a margem da lagoa, mas logo pulam de novo para dentro d’água. Ainda continuaram a usar suas vozes de vilões nos vitupérios e, embora a água os cubra todos, não se envergonham de coaxar no meio dela. Sua voz tornou-se rude, a garganta intumesceu, a boca distendeu-se com o constante coaxar, os pescoços encolheram-se e desapareceram e a cabeça se juntou ao corpo. As costas tornaram-se verdes, o ventre desproporcionado, branco, em resumo, eles são agora rãs e moram na lamacenta lagoa.”

Este episódio explica a alusão em um dos sonetos de MiltonSobre as calúnias que se seguiram à redação de certos tratados”:

Ante os asnos e os cães, raças malsãs,
Que visavam, rastejando como um verme
Nada mais fiz que confiar na História.
Também a raça transformada em rãs
De Latona insultou a prole inerme,
Que a lua e o sol depois regeram em glória.


O episódio, como se viu, alude à perseguição sofrida por Latona da parte de Juno. A tradição contava que a futura mãe de Apolo e Diana, fugindo da ira de Juno, andou por todas as ilhas do Mar Egeu, procurando um lugar de repouso, mas todos temiam demasiadamente a poderosa rainha do céu para proteger sua rival. Somente Delos concordou em se tornar o berço das futuras divindades. Delos era, então, uma ilha flutuante, mas, quando Latona ali chegou, Júpiter prendeu-a com cadeias fortíssimas ao fundo do mar, de maneira que pudesse tornar um abrigo seguro para seus bem-amados. Byron alude a Delos em seu “Don Juan”:

Verdes ilhas da Grécia! Ilhas da Grécia!
Onde amou e cantou a ardente Safo,
Onde a arte nasceu, na paz e guerra,
Onde Delos se ergueu e ergueu-se Febo!

O próximo artigo desta série é FAETONTE

Diana e Actéon

Este é o 7º artigo desta série. Os três últimos são:

04 - Céfalo e Prócris
05 - Juno e suas Rivais - Io
06 - Juno e suas Rivais - Calisto

Vimos, assim, dois exemplos da severidade de Juno para com suas rivais. Vejamos, agora, como uma deusa virgem castigou um ofensor de seu recato.

Era meio-dia, e o sol encontrava-se a igual distância de ambas as metas, quando o moço Actéon, filho do Rei Cadmo, assim se dirigiu aos jovens que com ele caçavam o cervo nas montanhas:

- Amigos, nossas redes e nossas armas estão úmidas do sangue das vítimas. Já nos divertimos bastante por um dia, e amanhã podemos recomeçar as nossas atividades.

Agora que Febo cresta a Terra, deixemos de lado nossos instrumentos e entreguemo-nos ao repouso.

Havia um vale rodeado por densa vegetação de ciprestes e pinheiros, consagrado à rainha caçadora, Diana. Na extremidade do vale havia uma gruta, não adornada pela arte, mas a natureza imitara a arte em sua construção, pois cravejara a abóbada de seu teto com pedras, tão delicadamente como se estivessem dispostas pelas mãos do homem. De um lado, jorrava uma fonte, cujas águas se espalhavam numa bacia cristalina. Ali, a deusa dos bosques costumava ir, quando cansada de caçar, e lavava seu corpo virginal na água espumejante.

Certo dia, tendo entrado ali com suas ninfas, entregou a uma delas o dardo, a aljava e os arcos, a túnica a uma segunda, enquanto uma terceira retirava-lhe as sandálias dos pés. Então, Crócale, a mais habilidosa de todas, penteou-lhe os cabelos, e Nefele, Híale e as demais carregavam a água em grandes urnas. Enquanto a deusa entregava-se assim aos cuidados íntimos, Actéon, tendo-se separado dos companheiros e vagando sem qualquer objetivo definido, chegou ao local, levado pelo destino. Quando surgiu à entrada da gruta, as ninfas, vendo um homem, gritaram e correram para junto da deusa, a fim de escondê-la com seus corpos. Ela , porém, era mais alta que as outras e sobrepujava todas pela cabeça. Uma cor semelhante à que tinge as nuvens no crepúsculo e na aurora cobriu o rosto de Diana, assim apanhada de surpresa. Cercada, como estava, por suas ninfas, ainda fez menção de voltar-se e procurou, impulsiva, as setas. Como estas não estivessem ao seu alcance, atirou água ao rosto do intruso, exclamando:

- Agora, vai, e dize, se te atreves, que viste Diana sem suas vestes.

Imediatamente um par de chifres galhados cresceu na cabeça de Actéon, seu pescoço encompridou-se, suas orelhas tornaram-se pontudas, suas mãos e braços transformaram-se em patas, seu corpo cobriu-se de um pêlo espesso. O medo substituiu a antiga ousadia, e o herói fugiu. Ele próprio admirava a velocidade com que corria, mas, quando viu os chifres refletidos na água, quis dizer “Desgraçado!”, e a palavra não saiu. Gemeu, e lágrimas escorreram-lhe pela cara que tomara o lugar de sua própria. Sua consciência no entanto, permaneceu. Que fazer? Voltar para casa, procurar seu palácio, ou ficar escondido nos bosques?

Tinha medo de uma coisa e vergonha de outra. Enquanto hesitava, os cães o avistaram. Primeiro Melampus, um cão espartano, deu o sinal, com um latido, depois, Panfagu, Dorceu, Lelaps, Teron, Nape, Tigre e todo o resto correram-lhe no encalço, mais velozes que o vento. Por despenhadeiros e rochedos, através de gargantas que pareciam impraticáveis, Actéon fugiu e os cães o seguiram. Onde ele muitas vezes caçara o cervo e açulara a matilha, a matilha o caçava, açulada por seus caçadores! Queria gritar: “Sou Actéon! Reconhecei vosso dono!”, mas as palavras não obedeciam à sua vontade. O ar ressoava com os latidos dos cães. De súbito, um agarrou-o pelas costas, outro, pelos ombros. Enquanto os dois imobilizavam seu dono, o resto da matilha aproximou-se e cravou os dentes em sua carne. Ele gemeu – um gemido que não era humano, mas que não era, também, o de um cervo – e, caindo de joelhos, ergueu os olhos e teria erguido os braços, numa súplica, se os tivesse. Seus amigos e companheiros festejaram os cães e procuraram Actéon por toda a parte, chamando-o para juntar-se à comitiva. Escutando o seu nome, ele virou a cabeça e ouviu os outros lamentarem a sua ausência. Antes estivesse ausente! Teria se comprazido em ver as façanhas dos cães, mas senti-las era demais. Todos estavam em torno dele, mordendo e despedaçando; e somente quando Actéon exalou o último suspiro, a ira de Diana se satisfez.

No poema “Adonai” (Que Shelley [Percy Bysshe Shelley - 1792-1822] compôs em homenagem a John Keats), Shelley faz alusão à história de Actéon:

Um débil vulto, entre outros vultos, surge;
Um fantasma entre os homens; solitário,
Como da tempestade a derradeira
Nuvem, tendo por dobre funerário
O trovão. Ele, a Actéon semelhante,
Contemplou a nudez da Natureza
E foge agora pela terra inteira:
Os próprios pensamentos o perseguem,
Como ferozes cães, de instante a instante.


A alusão refere-se, provavelmente, à própria Shelley.


Não deixe de ler o próximo artigo, LATONA E OS CAMPONESES, a ser postado em breve.

Juno e Suas Rivais - Calisto

Diana e Calisto - Peter Paul Rubens (1577-1640) Escola Flamenca - Século XVII - Museu do Prado
Calisto foi outra jovem que provocou o ciúme de Juno (Hera, na mitologia Grega), que a transformou numa ursa.

- Acabarei com aquela beleza que cativou meu marido – disse a deusa.

Calisto caiu apoiada nas mãos e nos joelhos. Tentou estender os braços numa súplica: eles já estavam começando a se cobrir de pêlo negro. As mãos arredondaram-se, armaram-se de garras aduncas e tornaram-se patas; a boca, cuja beleza Júpiter costumava exaltar, transformou-se num horrível par de maxilas; a voz que se não fosse mudada inspiraria piedade aos corações tornou-se um rugido, próprio a inspirar o terror. Contudo, sua antiga disposição permaneceu e, continuando a gemer, Calisto deplorou seu destino e mantinha-se tão ereta quanto podia, erguendo as patas para implorar mercê, e sentia que Jove era cruel, embora não pudesse dizê-lo. Ah! Quantas vezes, temerosa de ficar nos bosques sozinha a noite inteira, vagueava pelas vizinhanças de sua antiga morada! Quantas vezes, amedrontada pelos cães, ela, até tão pouco tempo caçadora, fugia aterrorizada, dos caçadores! Quantas vezes fugia das feras, esquecendo-se de que, agora, não passava ela mesma de uma fera! E, embora sendo ursa, tinha medo dos ursos.

Um dia, um jovem a viu, quando estava caçando. Ela também o viu e nele reconheceu o próprio filho, agora homem. Parou, tendo vontade de abraçá-lo. Ao se aproximar, o jovem, assustado, ergueu a lança de caça e ia trespassá-la, quando Júpiter, vendo o que se passava, impediu a consumação do crime e afastou os dois, colocando-os no céu, transformados na constelação da Ursa Maior e da Ursa Menor.

(Segundo a tradição, Arcas não foi transformado na Ursa Menor, nem havia lógica em tal transformação, uma vez que não fora antes, como sua mãe, metamorfoseado em urso. As duas constelações a que Ovídio se refere são as da Ursa Maior e de Arctofilax [guardião da Ursa], também chamada de Boieiro [Bootes]).

Juno enfureceu-se vendo sua rival merecer tal honra, procurou Tétis e Oceano, as antigas potências do mar e, em resposta às suas perguntas, assim descreveu o motivo de sua vinda:

Diana e Calisto - Dosso Dossi - c.1528 - Galleria Borghese, Roma, Itália- Perguntais-me por que eu, rainha dos deuses, deixei as planícies celestiais e vim em busca destas profundidades? Sabei que estou suplantada no céu: meu lugar é dado a outra. Dificilmente acreditareis em mim; mas olhai quando a noite escurecer o mundo, e vereis os dois de quem tenho tanta razão de queixa exaltados no céu, naquela parte em que o círculo é menor, nas vizinhanças do pólo. Por que iria alguém, de agora em diante, tremer à idéia de ofender Juno, quando tais recompensas são as conseqüências do meu desprazer? Vede o que consegui fazer! Impedi-a de usar a forma humana – ela é colocada entre as estrelas ! Tal é o resultado do meu castigo, tal a extensão de meu poder! Seria melhor que ela tivesse recuperado a forma humana, como permiti que Io recuperasse. Talvez Jove pretenda desposa-la, e deixar-me de lado. Mas vós, meus pais de adoção, se estais a meu lado e encarais com desgosto esse indigno tratamento que me foi imposto, mostrai-mo, peço-vos, impedindo esse casal indigno de penetrar em vossas águas!

As potências do oceano concordaram e, conseqüentemente, as duas constelações da Ursa Maior e de Arctofilax movem-se em círculo no céu, porém, jamais descem, como as outras estrelas, por trás do oceano.

Milton alude ao fato de a constelação da Ursa jamais se esconder, quando diz:

Que à meia-noite mi’a lâmpada seja
Vista em alguma torre solitária
De onde eu possa contemplar a Ursa etc.

E Prometeu, no poema de J. R. Lowell, exclama:

Ergueram-se e puseram-se as estrelas,
Iluminando os ferros que me prendem;
A Ursa, que passeia toda a noite,
Em seu abrigo já se refugiara,
Ouvindo os passos tímidos de Aurora
.

A última estrela da cauda da Ursa Menor é a Estrela Polar, também chamada Cinosura, à qual se refere Milton:

Novos prazeres me deleitam os olhos
Na paisagem que se estende em torno.
...
Avistam altas e ameadas torres,
Escondidas sob árvores frondosas,
Onde talvez se oculte uma beleza,
A Cinosura de vizinhos olhos.


A alusão é, aqui, tanto à Estrela Polar como guia dos marinheiros quanto à atração magnética do norte. Milton a chama também de Estrela da Arcádia porque o filho de Calisto se chamava Arcas e ele e a mãe viviam na Arcádia. Em “Comus”, o irmão, surpreendido pela noite nos bosques , exclama:

...Uma pálida luz!
Chega até nós o tímido clarão,
Vindo de alguma habitação humilde,
Bem junto com teus raios ofuscantes.
E serás, para nós, da Arcádia o astro.
Ou a tíria Cinosura.



O próximo artigo a ser postado é DIANA E ACTÉON

Juno e Suas Rivais - Io

Certa vez, Juno notou que o dia escurecera de súbito e imediatamente desconfiou de que o marido levantara uma nuvem para esconder algumas de suas façanhas que não gostava de expor à luz. Juno afastou a nuvem e viu o marido, à margem de um rio cristalino, com uma bela novilha ao seu lado. A rainha dos deuses desconfiou de que a aparência da novilha ocultava alguma bela ninfa de estirpe mortal, como, na verdade, era o caso. Tratava-se de Io, filha do rio deus Ínaco, a quem Júpiter cortejava, e a quem dera aquela forma, ao sentir a aproximação de sua esposa.

Juno foi-se juntar ao marido e, vendo a novilha, elogiou a sua beleza e perguntou quem era ela e a que rebanho pertencia. Júpiter, para evitar que as perguntas continuassem, respondeu que se tratava de uma nova criação da terra. Juno pediu-lhe que lhe desse a novilha de presente. Que poderia Júpiter fazer? Não queria entregar a amante à sua esposa; como recusar-lhe, porém, um presente tão insignificante como uma novilha? Não poderia fazê-lo sem despertar suspeitas. Assim, concordou. A deusa ainda não pusera de lado suas desconfianças: entregou, portanto, a novilha a Argos, ordenando que fosse vigiada atentamente.

Ora, Argos tinha cem olhos na cabeça e, para dormir, jamais fechava mais de dois ao mesmo tempo, de maneira que velava por Io constantemente. Deixava-a pastar durante o dia e, à noite, amarrava-a com uma corda em torno do pescoço. Io sentia ímpetos de estender os braços para implorar liberdade a Argos, mas não tinha braços e sua voz era um mugido que amedrontava até ela própria. Viu seu pai e suas irmãs, aproximou-se deles, deixou-os acariciá-la e louvar-lhe a beleza. Seu pai estendeu-lhe um punhado de relva e ela lambeu-lhe a mão estendida. Ansiava-se por se fazer conhecida dele, mas infelizmente, as palavras lhe faltavam. Afinal, teve idéia de escrever, e escreveu seu nome – era bem curto – como o casco, na areia. Ínaco reconheceu-a e, descobrindo que sua filha , a quem há tanto tempo procurara em vão, estava escondida sob aquele disfarce, chorou e abraçando-se com seu branco pescoço exclamou:

- Ah, minha filha! Teria sido menos doloroso perder-te inteiramente!

Enquanto assim se lamentava, Argos, observando o que se passava, aproximou-se e levou Io dali, indo ele próprio sentar-se num alto talude, de onde podia olhar em todas as direções.

Júpiter perturbou-se ao ver os sofrimentos da amante e, chamando Mercúrio, ordenou-lhe que matasse Argos. Mercúrio apressou-se: calçou as sandálias aladas, pôs o barrete, pegou sua vara de condão que fazia dormir e atirou-se das alturas do céu para a terra. Despojou-se, então, de suas asas, conservando apenas a vara de condão, com a qual se apresentou como um pastor conduzindo um rebanho. Enquanto caminhava, tocava sua gaita. Argos ouviu-o deleitado, pois era a primeira vez que via o instrumento.

- Jovem! – exclamou – Vem assentar-te ao meu lado nesta pedra. Não há melhor lugar para teu rebanho pastar por estas redondezas e aqui há uma sombra suave, tal como os pastores apreciam.

Mercúrio sentou-se, conversou e contou histórias até bem tarde, e tocou em seu instrumento as melodias mais suaves, tentando adormecer os olhos vigilantes, mas tudo em vão. Argos conseguia deixar alguns de seus olhos abertos, embora fechando os demais.

Entre outras histórias, Mercúrio contou-lhe como fora inventado o instrumento que tocava.

- Havia uma certa ninfa, cujo nome era Sirinx, muito querida pelos sátiros e pelos espíritos dos bosques; ela, porém, não se entregava a nenhum, sendo fiel cultuadora de Diana, e dedicava-se à caça. Quem a visse em suas vestes de caça a teria tomado pela própria Diana; a única diferença é que seu arco era de chifre, e o da deusa, de prata. Certo dia, quando ela voltava da caça, encontrou-a, disse-lhe isto e muito mais. A ninfa correu, sem parar para ouvir as lisonjas, e ele a perseguia, até as margens do rio, onde a agarrou, dando-lhe apenas tempo de gritar pedindo a ajuda de suas companheiras, as ninfas da água. Estas ouviram e acederam ao pedido. abraçou o que acreditava ser o corpo de uma ninfa e na verdade era apenas um feixe de juncos! Como desse um suspiro, o ar, atravessando os juncos, produziu uma melodia melancólica. Encantado com a novidade e com a doçura da música, o deus exclamou:

- Assim, pelo menos, serás minha.

Tomou alguns dos juncos, de tamanhos desiguais, colocou-os de lado a lado, e assim construiu o instrumento que chamou de Sirinx, em homenagem à ninfa.

Antes de Mercúrio terminar sua história, percebeu que Argos adormecera, como todos os olhos fechados. Enquanto cabeceava, Mercúrio , com um só golpe, cortou-lhe a cabeça e atirou-a embaixo do rochedo. Desventurado Argos! A luz dos seus cem olhos apagou-se imediatamente. Juno tomou-os e colocou-os, como ornamentos, na cauda de seu pavão, onde até hoje permanecem.

A vingança de Juno não estava ainda saciada, contudo. Mandou um moscardo persegui Io, que fugiu de sua perseguição através do mundo inteiro. Atravessou a nado o Mar Jônico (ou Iônico), que dela tirou o seu nome; correu pelas planícies da Ilíria; galgou o Monte Hermo e atravessou o Estreito da Trácia, daí por diante chamado de Bósforo (rio da vaca); vagou pela Cítia e pelo país dos cimerianos e chegou, afinal, às margens do Nilo. Júpiter, enfim, intercedeu por ela e, diante de sua promessa de que não daria mais atenção alguma à ninfa, Juno consentiu em devolver-lhe a antiga forma. Foi curioso vê-la recuperar a própria aparência. Os ásperos pêlos caíram-lhe do corpo, os chifres encolheram, os olhos estreitaram-se , a boca diminuiu; mãos e unhas surgiram em lugar dos cascos das patas dianteiras; em breve nada mais restava da novilha, a não ser a beleza. A princípio, Io teve medo de falar, mas pouco a pouco, recuperou a confiança e foi levada de volta para junto do pai e das irmãs.

Num poema dedicado por Keats a Leigh Hunt, há a seguinte alusão ao episódio de e Sirinx:

E nos contou como, em um dia Sirinx
De Pã fugiu, temendo, apavorada.
Desventurada ninfa! Pobre Pã!
Como chorou, ao ver que conquistara
Da brisa apenas um suspiro doce!


Este artigo se encontra no tópico - Mitologia


No próximo artigo, veremos o ciúme outra vez em Juno e Suas Rivais II - CALISTO. Será postado em breve.

domingo, junho 25, 2006

Céfalo e Prócris

Este é o 4º Artigo da série Mitologia. Os três primeiros são:



Céfalo era um belo jovem, amante dos exercícios. Levantava-se antes do amanhecer, para perseguir a caça. Aurora o viu, apaixonou-se por ele e o raptou. Céfalo, porém, era recém-casado, e amava profundamente sua esposa que se chamava Prócris. A jovem era favorita de Diana, que lhe dera um cão, mais veloz que qualquer outro, e um dardo, que jamais errava o alvo; e Prócris oferecera estes presentes ao marido. Céfalo sentia-se tão feliz com a esposa, que resistiu a toda as propostas de Aurora, que , afinal, o despediu, irritada, dizendo:

-Vai, ingrato mortal, fica com tua esposa, a qual, se não me engano, hás de lamentar ter conhecido.

Céfalo regressou e voltou a ser tão feliz quanto antes, como sua esposa, e suas façanhas pelos bosques. Ora, aconteceu que uma divindade irritada mandara uma voraz raposa devastar a região, e os caçadores acorreram, em grande número, para capturá-la. Todos os seus esforços foram em vão; nenhum cão conseguia acompanhar o animal na corrida. E, finalmente, procuraram Céfalo, a fim de que lhes emprestasse seu famoso cão, cujo nome era Lelaps. Mal o cão fora solto, disparou como um dardo, com tal velocidade que a vista não podia segui-lo. Se não tivessem visto suas pegadas na areia, todos teriam acreditado que ele voara. De pé, no alto de um morro, Céfalo e os outros assistiram à corrida. A raposa tentou todas as artimanhas: corria em círculo, perseguida de perto pelo cão que, de boca aberta, investia sempre, mas mordia apenas o ar. Céfalo já ia lançar mão do dardo, quando viu o cão e a raposa pararem instantaneamente. Os deuses celestes, criadores de ambos, não queriam que nenhum dos dois saísse vitorioso. E, em sua própria atitude de vida e de ação, haviam sido petrificados. Tão naturais pareciam, que, ao vê-los, tinha-se a impressão de que um ia latir e a outra dar um salto para a frente.

Céfalo, embora tivesse perdido o cão, continuou a deleitar-se com a caça. Saía pela madrugada, vagava pelos bosques e pelos montes, sem qualquer acompanhante, não necessitando ajuda, pois seu dardo era arma segura para todos os casos. Fatigado com a caça, quando o sol ia alto no céu, procurava um abrigo sombreado, junto ao qual corria um frígido regato e, estendido na relva, com as vestes atiradas para um lado, gozava a frescura da brisa. Às vezes, costumava dizer em voz alta:

- Vem, brisa suave, vem afagar-me e leva o calor que me abrasa.

Alguém que passava um dia, ouviu-o falando desse modo ao ar e, acreditando, por tolice, que ele estivesse falando com alguma mulher, correu a contar o segredo a Prócris, sua esposa. O amor é crédulo. Prócris, diante do choque, desmaiou. Voltando a si, sem demora, disse:
- Não pode ser verdade; não acreditarei nisso, a não ser que eu mesma seja testemunha.

Assim, aguardou, com o coração ansioso, até a manhã seguinte, quando Céfalo saiu, como de costume. Acompanhou-o, então, furtivamente, e escondeu-se no lugar que o informante indicara. Céfalo apareceu, quando se sentiu cansado da caçada, e estendeu-se na verde relva, exclamando:

- Vem, brisa suave, vem afagar-me. Sabes quanto te amo! Tu tornas deliciosos os bosques e minhas caminhadas solitárias!

Continuava a soltar estas exclamações, quando ouviu, ou julgou ouvir, no meio do bosque, um ruído semelhante a um soluço. Supondo ser algum animal selvagem, atirou o dardo na direção do ruído. Um grito de sua amada Prócris revelou-lhe que a arma atingira o alvo com precisão. Correu para o lugar e encontrou-a ensangüentada, tentando arrancar da ferida o dardo, que fora presente dela mesma. Céfalo ergueu-a do chão, lutou para estancar o sangue, gritou-lhe que viesse, que não o deixasse desamparado, recriminando-se de sua morte. Ela entreabriu os olhos e conseguiu murmurar estas palavras:

- Imploro-te, se algum dia me amaste, se algum dia mereci de ti benevolência, meu marido, que satisfaças minha última vontade: não te cases com essa odiosa Brisa!

Isto revelou todo o mistério; mas que adiantava revela-lo agora? Prócris morreu, mas seu rosto tinha uma expressão de calma, olhando com ternura e perdão para o marido, que a fez compreender a verdade.

Thomas Moore, ente suas “Baladas Legendárias”, tem uma sobre Céfalo e Prócris, que assim começa:

Num campo, um caçador repousou, certo dia,
Para do sol se abrigar
E, deitado, implorava à brisa que fugia
O rosto lhe beijar.
E, enquanto assim pedia, a brisa descuidada
Fugia para além.
Chamava o caçador: “Ó vem brisa adorada!”
“Brisa adorada, vem!”.

Não deixe de ler o próximo artigo JUNO E SUA RIVAIS a ser postado em breve.

Píramo e Tisbe

Artigos anteriores desta série:

01 - Prometeu e Pandora
02 - Apolo e Dafne


Píramo era o mais belo jovem, e Tisbe, a mais formosa donzela, em toda a Babilônia, onde Semíramis reinava. Seus pais moravam em casas contíguas; a vizinhança aproximou os dois jovens e o conhecimento transformou-se em amor. Seriam venturosos se se casassem, mas seus pais proibiram. Uma coisa, contudo, não podiam proibir: que o amor crescesse com o mesmo ardor no coração dos dois jovens. Conversaram por sinais ou por meio de olhares, e o fogo se tornava mais intenso, por ser oculto. Na parede que separava as duas casas, havia uma fenda, provocada por algum defeito de construção. Ninguém a havia notado antes, mas os amantes a descobriram. Que há que o amor não descubra? A fenda permitia a passagem da voz; e ternas mensagens passaram nas duas direções através da fenda. Quando Píramo e Tisbe se punham de pé, cada um de seu lado, suas respirações se confundiam.

- Parede cruel! – exclamavam. – Por que manténs separados dois amantes? Mas não seremos ingratos. Devemos-te, confessamos, o privilégio de dirigir palavras de amor a ouvidos complacentes.

Diziam tais palavras, cada um de seu lado da parede; e, quando a noite chegava e tinham de dizer adeus, apertavam o lábio contra a parede, ela do seu lado, ele do outro, já que não podiam aproximar-se mais.

De manhã, quando Aurora expulsara as estrelas e o sol derretera o granizo nas ervas, os dois encontraram-se no lugar de costume. E então, depois de lamentarem seu cruel destino, combinaram que, na noite seguinte, quanto tudo estivesse quieto, eles se furtariam aos olhares vigilantes, deixariam suas moradas, dirigir-se-iam ao campo e, par um encontro, iriam ter a um conhecido monumento que ficava fora dos limites da cidade, chamado o Túmulo de Nino, e combinaram que aquele que chegasse primeiro esperaria o outro, junto de uma certa árvore. Era uma amoreira branca, próxima da uma fonte. Tudo ficou combinado, e os dois aguardaram, impacientes, que o sol se escondesse sob as águas e que a noite delas se levantasse. Então, Tisbe ergueu-se, cautelosamente, sem ser observada pela família, cobriu a cabeça com um véu, caminhou até o monumento e sentou-se embaixo da árvore. Enquanto estava ali sentada, sozinha, à luz difusa da noite, avistou uma leoa, que, com a boca ensangüentada por uma presa recente, aproximava-se da fonte, para matar a sede. Ao vê-la, Tisbe fugiu e refugiou-se numa gruta, deixando cair o véu quando fugia. A leoa, depois de saciar a sede na fonte, virou-se para voltar aos bosques, e, ao ver o véu no chão, investiu contra ele e despedaçou-o com sua boca ensangüentada.

Píramo, que se atrasara, aproximou-se, então, do local do encontro. Viu, na areia, as pegadas da leoa, e o sangue fugiu-lhe das faces. Logo em seguida, encontrou o véu, dilacerado e cheio de sangue.

- Desventurada donzela! – exclamou. – Fui a causa de tua morte! Tu, mais digna de viver do que eu, caíste como primeira vítima. Seguir-te-ei. Fui o culpado, atraindo-te a um lugar tão perigoso, e não estando ali eu próprio para guardar-te. Vinde, leões, dos rochedos e despedaçai com vossos dentes este corpo maldito!

Apanhou o véu, levou-o até a árvore onde fora combinado o encontro, e cobriu-o de beijos e de lágrimas.

- Meu sangue também manchará teu tecido – exclamou.

E arrancando a espada, mergulhou-a no coração.

O sangue esguichou da ferida, tingiu de vermelho as amoras brancas da árvore, e penetrando na terra, atingiu as raízes, de modo que a cor vermelha subiu, através do tronco, até o fruto.

Enquanto isso, Tisbe, ainda trêmula de medo, e não desejando, contudo, desapontar o amante, saiu cautelosamente, procurando o jovem com aflição, ansiosa por contar-lhe o perigo que atravessara. Ao chegar ao local e vendo a nova cor das amoras, duvidou de que estivesse no mesmo lugar. Enquanto hesitava, avistou um vulto que se debatia nas vascas da agonia. Recuou, e um tremor percorreu-lhe todo o corpo, como a água tranqüila se encrespa ao ser atingida por uma lufada repentina de vento. Logo, porém, reconheceu o amante, gritou e bateu no peito, abraçando-se ao corpo sem vida, derramando lágrimas sobre as feridas e beijando aos lábios frios.

- Píramo, quem te fez isto? – exclamou. – Responde, Píramo! É tua Tisbe quem fala. Sou eu, a tua Tisbe, quem fala. Ouve-me, meu amor, e ergue esta cabeça pendente!

Ao ouvir o nome de Tisbe, Píramo abriu os olhos e fechou-os de novo. A donzela avistou o véu ensangüentado e a bainha vazia da espada.


- Tua própria mão te matou e por minha causa – disse; - Também posso ser corajosa uma vez, e meu amor é tão forte quanto o teu. Seguir-te-ei na morte, pois dela fui a causa; e a morte, que era a única que nos podia separar, não me impedirá de juntar-me a ti. E vós, infelizes pais de nós ambos, não negueis nossas súplicas conjuntas. Como o amor e a morte nos juntaram, deixai que um único túmulo nos guarde. E tudo. Árvore, conservas as marcas de nossa morte. Que tuas frutas sirvam como memória de nosso sangue.

Assim dizendo, mergulhou a espada no peito.

Os pais ratificaram seu desejo, e também os deuses. Os dois corpos foram enterrados na mesma sepultura, e a árvore passou a dar frutos vermelhos, como faz até hoje.

Thomas Moore, na “Batalha da Sílfide”, referindo-se à lâmpada de segurança de Davy, relembra a parede que separava Tisbe de seu amante;

Bendita a gaze de metal tão fina
Seguro protetor,
Como que Davy rodeia, e que domina
O fogo destruidor.
Através da parede, a todo o instante,
Podem a Chama e o Ar,
Como podiam Tisbe e seu amante,
Se ver, mas não beijar
.

Nos Lusíadas, há a seguinte alusão indireta ao episódio de Píramo e Tisbe e à metamorfose das amoras, quando o poeta descreve a Ilha dos Amores:

Os dons que dá Pomona, ali natura
Produz diferente nos sabores,
Sem ter necessidade de cultura,
Que sem ela se dão muito melhore;
As cerejas purpúreas na pintura;
As amoras, que o nome têm de amores;
O pomo, que da pátria Pérsia veio,
Melhor tornado no terreno alheio.


Se o leitor tem tão pouco coração que se disponha a dar algumas gargalhadas à custa dos desventurados Píramo e Tisbe, terá oportunidade de fazê-lo recorrendo à comédia de Shakespeare "Sonho de uma Noite de Verão", onde o episódio é apresentado de forma divertida.

(Também não dá para ignorar a semelhança da história com Romeu e Julieta, também de Shakespeare. Tais semelhanças vão dos conflitos familiares à morte dos amantes).

Não deixe de ler o artigo CÉFALO E PRÓCRIS a ser postado em breve.

Apolo e Dafne

Artigo anterior desta série
o
0
0
O lodo com que as águas do dilúvio recobriram a Terra acarretou uma excessiva fertilidade, que produziu enorme variedade de coisas, boas e más. Entre elas, surgiu Píton, uma serpente enorme, terror do povo, que se refugiou nas cavernas do Monte Parnaso. Apolo matou-a com suas setas – armas que não usara antes senão contra fracos animais, como lebres, cabras monteses e outras semelhantes. Para comemorar essa grande vitória, ele instituiu os jogos píticos, nos quais o vencedor nas provas de força, rapidez na carreira ou nas corridas de carro era coroado com uma grinalda de folhas de faia, pois o loureiro ainda não fora escolhido por Apolo como sua planta predileta.

A famosa estátua de Apolo do Belvedere representa o deus depois de sua vitória sobre a serpente Píton. Byron assim alude ao fato no “Childe Harold”:


O potente senhor do arco certeiro,
Deus da vida, da luz e da poesia,
O sol, em forma humana apresentado,
Radioso com o triunfo no combate,
Partiu agora mesmo a seta ultriz.
Nos olhos, nas narinas, se desenham
O desdém, a altivez própria de um deus.



Apolo e Dafne

Dafne foi o primeiro amor de Apolo. Não surgiu por acaso, mas pela malícia de Cupido (Eros na Mitologia Grega). Apolo viu o menino brincando com seu arco e suas setas e, estando ele próprio muito envaidecido com sua recente vitória sobre Píton, disse-lhe:

- Que tens a fazer com armas mortíferas, menino insolente? Deixe-as para as mãos de quem delas sejam dignos. Vê a vitória que com elas alcancei, contra a vasta serpente que estendia o corpo venenoso por grande extensão da planície! Contenta-te com tua tocha, criança, e atiça tua chama, como costumas dizer, mas não te atrevas a intrometer-te com minhas armas.

O filho de Vênus (Afrodite na mitologia Grega) ouviu essas palavras e retrucou:

- Tuas setas podem ferir todas as outras coisas, Apolo, mas as minhas podem ferir-te.

Assim dizendo, pôs-se de pé numa rocha do Parnaso e tirou da aljava duas setas diferentes, uma feita para atrair o amor; outra, para afastá-lo. A primeira era de ouro e tinha a ponta aguçada, a segunda, de ponta rombuda, era de chumbo. Com a seta de ponta de chumbo, feriu a ninfa Dafne, filha do rio-Deus Peneu, e com a de ouro feriu Apolo no coração. Sem demora, o deus foi tomado de amor pela donzela e esta sentiu horror à idéia de amar. Seu prazer consistia nas caminhadas pelos bosques e na caça. Muitos amantes a buscavam, mas ela recusava a todos, passeando pelos bosques, sem pensar em Cupido nem em Himeneu. Seu pai muitas vezes lhe dizia: “Filha, deves dar-me um genro, dar-me netos”. Temendo o casamento como a um crime, com as belas faces coradas, ela se abraçou ao pai, implorando: “Concede esta graça, pai querido! Faze com que eu não me case jamais!”.

A contragosto, ele consentiu, observando, ao mesmo tempo, porém:

- O teu próprio rosto é contrário a este voto.

Apolo amou-a e lutou para obtê-la; ele, que era o oráculo de todo o mundo, não foi bastante sábio para prever seu próprio destino. Vendo os cabelos caírem desordenados pelos ombros da ninfa, imaginou: “Se são tão belos em desordem, como deverão ser quando arranjados?” Viu seus olhos brilharem como estrelas; viu seus lábios, e não se deu por satisfeito só em vê-los. Admirou suas mãos e os braços, nus até os ombros, e tudo que estava escondido da vista imaginou mais belo ainda. Seguiu-a; ela fugiu, mais rápida que o vento, e não se retardou um momento ante sua s súplicas.

- Pára, filha de Peneu! – ele exclamou. Não sou um inimigo. Não fujas de mim, como a ovelha foge do lobo, ou a pomba do milhafre. É por amor que te persigo. Sofro de medo que, por minha culpa, caias e te machuques nestas pedras. Não corras tão depressa, peço-te, e correrei também mais devagar. Não sou um homem rude, um campônio boçal. Júpiter (Zeus) é meu pai, sou senhor de Delfos e Tenedos e conheço todas as coisas, presentes e futuras. Sou o deus do canto e da lira. Minhas setas voam certeiras para o alvo. Mas, ah! Uma seta mais fatal que as minhas atravessou-me o coração! Sou o deus da medicina e conheço a virtude de todas as plantas medicinais. Ah! “Sofro de uma enfermidade que bálsamo algum pode curar”.

A ninfa continuou sua fuga, nem ouvindo de todo a súplica do deus. E, mesmo ao fugir, ela o encantava. O vento agitava-lhe as vestes e os cabelos desatados lhe caíam pelas costas. O deus sentiu-se impaciente ao ver desprezados os seus rogos e, excitado por Cupido, diminuiu a distância que o separava da jovem. Era como um cão perseguindo uma lebre, com a boca aberta, pronto para apanhá-la, enquanto o débil animal avança, escapando no último momento. Assim voavam o deus e a virgem: ela com as asas do medo; ele com a do amor. O perseguidor é mais rápido, porém, e adianta-se na carreira: sua respiração ofegante, já atinge os cabelos da ninfa. As forças de Dafne começam a fraquejar e, prestes a cair, ela invoca seu pai, o rio-deus:

- Ajuda-me, Peneu! Abre a terra para envolver-me, ou muda minhas formas, que me têm sido tão fatais!

Mal pronunciara estas palavras, um torpor lhe ganha todos os membros; seu peito começou a revestir-se de uma leve casca; seus cabelos transformaram-se em folhas; seus braços mudam-se em galhos; os pés cravam-se no chão, como raízes; seu rosto tornou-se o cimo do arbusto, nada conservando do que fora, a não ser a beleza.

Apolo abraçou-se aos ramos da árvore e beijou ardentemente a madeira. Os ramos afastaram-se de seus lábios.

- Já que não podes ser minha esposa – exclamou o deus – serás a minha planta preferida. Usarei tuas folhas como coroa; com elas enfeitarei minha lira e minha aljava; e quando os grandes conquistadores caminharem para o Capitólio, à frente dos cortejos triunfais, serás usada como coroas para suas frontes. E, tão eternamente jovem quanto eu próprio, também hás de ser sempre verde e tuas folhas não envelhecerão.

Não parecerá estranho, sem dúvida, que Apolo fosse o deus tanto da música quanto da poesia, mas o há de parecer o fato de a medicina fazer companhia àquelas duas artes. O poeta Armstrong, que era médico, assim explica o motivo:

Exaltando a alegria, por si mesma,
O Sofrimento a música alivia.
Os priscos sábios adoravam, assim,
A medicina, o canto e a melodia.

Os poetas fazem frequentemente alusão ao episódio de Dafne e de Apolo. Waller compara-o ao caso daqueles cujos versos de amor, embora não consigam abrandar o coração da amada, servem para trazer fama ao poeta:

O que cantou, porém, com tal paixão,
Não foi cantado nem sentido em vão.
Se foi surda a amada ao canto seu,
O canto aos outros homens comoveu.
Assim Febo, deixando a ilusória
Paixão, no louro pôs a eterna glória.


A seguinte estrofe do “Adonais” de Shelley alude às primeiras que elas de Byron com os críticos:

Os lobos que só sabem perseguir,
Os corvos tão valentes contra os mortos,
Os abutres que seguem o vencedor
E devoram os despojos desprezados,
Como fugiram todos, quando ele,
Como Apolo vibrando o áureo arco,
A seta disparou contra a serpente!
0
Não deixe de ler o artigo PÍRAMO E TISBE a ser postado em breve

quarta-feira, junho 14, 2006

Prometeu e Pandora

Prometheus - de J. Cossiers
A criação do mundo é um problema que, muito naturalmente, desperta a curiosidade do homem, seu habitante. Os antigos pagãos, que não dispunham, sobre o assunto, das informações de que dispomos, procedentes das Escrituras, tinham sua própria versão sobre o acontecimento, que era a seguinte:

Antes de serem criados o mar, a terra e o céu, todas as coisas apresentavam um aspecto a que se dava o nome de Caos – uma informe e confusa massa, mero peso morto, no qual, contudo, jaziam latentes as sementes das coisas. A terra, o mar e o ar estavam todos misturados; assim, a terra não era sólida, o mar não era líquido e o ar não era transparente. Deus e a Natureza intervieram finalmente e puseram fim a essa discórdia, separando a terra do mar e o céu de ambos. Sendo a parte ígnea a mais leve, espalhou-se e formou o firmamento; o ar colocou-se em seguida, no que diz respeito ao peso e ao lugar. A terra, sendo a mais pesada, ficou para baixo, e a água ocupou o ponto inferior, fazendo-a flutuar.

Nesse ponto, um deus – não se sabe qual – tratou de empregar seus bons ofícios para arranjar e dispor as coisas na Terra. Determinou aos rios e lagos seus lugares, levantou montanhas, escavou vales, distribuiu os bosques, as fontes, os campos férteis e as áridas planícies, os peixes tomaram posse do mar, as aves, do ar, e os quadrúpedes, da terra.

Tornara-se necessário, porém, um animal mais nobre, e foi feito o Homem. Não se sabe se o criador o fez de materiais divinos, ou se na Terra, há tão pouco tempo separada do céu, ainda havia algumas sementes celestiais ocultas. Prometeu tomou um pouco dessa terra e, misturando-a com água, fez o homem à semelhança dos deuses. Deu-lhe o porte ereto, de maneira que enquanto os outros animais têm o rosto voltado para baixo, olhando a terra, o homem levanta a cabeça para o céu e olha as estrelas.

Prometheus Sendo Acorrentado - de Van DirckPrometeu era um dos titãs, uma raça gigantesca que habitou a Terra antes do homem. Ele e seu irmão Epimeteu foram incumbidos de fazer o homem e assegurar-lhe, e aos outros animais, todas as faculdades necessárias à sua preservação. Epimeteu encarregou-se da obra e Prometeu, de examiná-la, depois de pronta. Assim, Epimeteu tratou de atribuir a cada animal seus dons variados de coragem, força, rapidez, sagacidade; asas a um, garras a outro, uma carapaça protegendo um terceiro etc. Quando, porém, chegou a vez do homem, que tinha de ser superior a todos os outros animais, Epimeteu gastara seus recursos com tanta prodigalidade que nada mais restava. Perplexo, recorreu a seu irmão Prometeu que, com a ajuda de Minerva, subiu ao céu e acendeu sua tocha no carro do sol, trazendo o fogo para o homem. Com esse dom, o homem assegurou sua superioridade sobre todos os outros animais. O fogo lhe forneceu o meio de construiu as armas com que subjugou os animais e as ferramentas com que cultivou a terra; aquecer sua morada de maneira a tornar-se relativamente independente do clima, e, finalmente, criar a arte da cunhagem das moedas, que ampliou e facilitou o comércio.

Pandora - de John William Waterhouse - 1896A mulher não fora ainda criada. A versão (bem absurda) é que Zeus a fez e a enviou a Prometeu e a seu irmão, para puni-los pela ousadia de furtar o fogo do céu, e ao homem, por tê-lo aceito. A primeira mulher chamava-se Pandora. Foi feita no céu, e cada um dos deuses contribuiu com alguma coisa para aperfeiçoá-la. Vênus deu-lhe a beleza, Mercúrio, a persuasão, Apolo, a música, etc. Assim dotada, a mulher foi mandada à Terra e oferecida a Epimeteu que de boa vontade a aceitou, embora advertido pelo irmão para ter cuidado com Zeus e seus presentes. Epimeteu tinha em sua casa uma caixa, na qual guardava certos artigos malignos de que não se utilizara ao preparar o homem para sua nova morada. Pandora foi tomada por intensa curiosidade de saber o que continha aquela caixa, e, certo dia, destampou-a para olhar. Assim, escapou e se espalhou por toda a parte uma multidão de pragas que atingiram o desgraçado homem, ais como a gota, o reumatismo e a cólica, para o corpo, e a inveja, o despeito e a vingança, para o espírito. Pandora apressou-se em colocar a tampa na caixa, mas, infelizmente, escapara todo o conteúdo da mesma, com exceção de uma única coisa, que ficara no fundo, e que era a esperança. Assim, sejam quais forem os males que nos ameacem, a esperança não nos deixa inteiramente e, enquanto a tivermos, nenhum mal nos torna inteiramente desgraçados.

Uma outra versão é a de que Pandora foi mandada por Zeus com boa intenção, a fim de agradar ao homem. O rei dos deuses entregou-lhe, como presente de casamento, uma caixa, em que cada deus colocara um bem. Pandora abriu a caixa, inadvertidamente, e todos os bens escaparam, exceto a esperança. Essa versão é, sem dúvida, mais aceitável do que a primeira. Realmente, como poderia a esperança, jóia tão preciosa quanto é, ter sido misturada a toda a sorte de males, como na primeira versão?

Pandora Abre a Caixa - Walter CraneEstando assim povoado o mundo, seus primeiros tempos constituíram uma era de inocência e ventura, chamada a Idade do Ouro. Reinavam a verdade e a justiça, embora não impostas pela lei, e não havia juízes para ameaçar ou punir. As florestas ainda não tinham sido despojadas de suas árvores para fornecer madeira aos navios, nem os homens haviam construído fortificações em torno de suas cidades. Espadas, lanças ou elmos eram objetos desconhecidos. A terra produzia tudo que era necessário para o homem, sem que este se desse ao trabalho de lavrar ou colher. Vicejava uma primavera perpétua, as flores cresciam sem sementes, as torrentes dos rios eram de leite e de vinho, o mel dourado escorria dos carvalhos.

Seguiu-se a Idade de Prata, inferior à de Ouro, porém melhor do que a de Cobre. Zeus reduziu a primavera e dividiu o ano em estações. Pela primeira vez o homem teve de sofrer os rigores do calor e do frio, e tornaram-se necessárias as casa. As primeiras moradas foram as cavernas, os abrigos das árvores frondosas e cabanas feitas de hastes. Tornou-se necessário plantar para colher. O agricultor teve de semear e de arar a terra, com ajuda do boi.

Prometheus é acorrentado à uma rocha por ZeusVeio, em seguida, a Idade de Bronze, já mais agitada e sob a ameaça das armas, mas ainda não inteiramente má. A pior foi a Idade do Ferro. O crime irrompeu, como uma inundação; a modéstia, a verdade e a honra fugiram, deixando em seus lugares a fraude e a astúcia, a violência e a insaciável cobiça. Os marinheiros estenderam as velas aos ventos e as árvores foram derrubadas nas montanhas para servir de quilhas dos navios e ultrajar a face do oceano. A terra, que até então fora cultivada em comum, começou a ser dividida entre os possuidores. Os homens não se contentaram com o que produzia a superfície: escavou-se então a terra e tirou-se do seu seio os minérios e metais. Produziu-se o danoso ferro e o ainda mais danoso ouro. Surgiu a guerra, utilizando-se de um e de outro como armas; o hóspede não se sentia em segurança em casa de seu amigo; os genros e sogros, os irmãos e irmãs, os maridos e mulheres não podiam confiar uns nos outros. Os filhos desejavam a morte dos pais, a fim de lhes herdarem a riqueza; o amor familiar caiu prostrado. A terra ficou úmida de sangue, e os deuses a abandonaram, um a um, até que ficou somente Astréia, filha de Zeus e Têmis, que finalmente acabou também partindo.

Vendo aquele estado de coisas, Zeus indignou-se e convocou os deuses para um conselho. Todos obedeceram à convocação e tomaram o comino dão palácio do Céu. Esse caminho pode ser visto por qualquer um nas noites claras, atravessando o céu, e é chamado de Via Láctea. Ao longo dele ficam os palácios dos deuses ilustres; a plebe celestial vive à parte, de um lado ou de outro.

Conselho dos Deuses do OlympusDirigindo-se à assembléia, Zeus expôs as terríveis condições que reinavam na Terra e encerrou suas palavras anunciando a intenção de destruir todos os seus habitantes e fazer surgir uma nova raça, diferente da primeira, que seria mais digna de viver e saberia melhor cultuar os deuses. Assim dizendo, apoderou-se de um raio e já estava prestes a atirá-lo contra o mundo, destruindo-o pelo fogo, quanto atentou para o perigo que o incêndio poderia acarretar para o próprio céu. Mudou, então, de idéia, e resolveu inundar a terra. O vento norte, que espalha as nuvens, foi encadeado; o vento sul foi solto e em breve cobriu todo o céu com escuridão profunda. As nuvens, empurradas em bloco, romperam-se com fragor; torrentes de chuva caíram; as plantações inundaram-se; o trabalho de um ano do lavrador pereceu em uma hora. Não satisfeito com suas próprias águas, Zeus pediu a ajuda de seu irmão Posêidon (Netuno na Mitologia Romana). Este soltou os rios e lançou-os sobre a terra. Ao mesmo tempo, sacudiu-a com um terremoto e lançou o refluxo do oceano sobre as praias. Rebanhos, animais, homens e casa foram engolidos e os templos, com sues recintos sacros, profanados. Todo edifício que permanecera de pé foi submergido e suas torres ficaram abaixo das águas. Tudo se transformou em mar, num mar sem praias. Aqui e ali, um indivíduo refugia-se num cume e alguns poucos, em barcos, apóiam o remo no mesmo solo que ainda há pouco o arado sulcara. Os peixes nadam sobre os galhos das árvores; a âncora se prende num jardim. Onde recentemente os cordeirinhos brincavam, as focas cabriolam desajeitadamente. O lobo nada entre as ovelhas, os fulvos leões e os tigres lutam nas águas. A força o javali de nada lhe serve, nem a ligeireza do cervo. As aves tombam, cansadas na água, não tendo encontrado terra onde pousar. Os seres vivos que a água poupara caem como presas da fome.

De todas as montanhas, apenas o Parnaso ultrapassa as águas. Ali, Deucalião e sua esposa Pirra, da raça de Prometeu, encontram refúgio – ele é um homem justo, ela, uma devota fiel dos deuses. Vendo que não havia outro vivente além desse casal, e lembrando-se de sua vida inofensiva e de sua conduta piedosa, Zeus ordenou aos ventos do norte que afastassem as nuvens e mostrassem o céu à Terra e a Terra ao céu.



Também Posêidon ordenou a Tritão que soasse sua concha determinando a retirada das águas. As águas obedeceram; o mar voltou às suas costas, e os rios, aos seus leitos. Deucalião assim se dirigiu, então, a Pirra: “Ó esposa, única mulher sobrevivente, unida a mim primeiramente pelos laços do parentesco e do casamento, e agora por um perigo comum, pudéssemos nós possuir o poder de nosso antepassado Prometeu e renovar a raça, como ele fez, pela primeira vez. Como não podemos, porém, dirijamo-nos àquele templo e indaguemos dos deuses o que nos resta fazer”. Entraram num templo coberto de lama e aproximaram-se do altar, onde nenhum fogo crepitava. Prostraram-se na terra e rogaram à deusa que os esclarecesse sobre a maneira de se comportar naquela situação miserável. “Saí do templo com a cabeça coberta e as vestes desatadas e atirai para trás os ossos de vossa mãe” – respondeu o oráculo. Estas palavras foram ouvidas com assombro. Pirra foi a primeira a romper o silêncio: “Não podemos obedecer; não vamos nos atrever a profanar os restos de nossos pais”. Seguiram pela fraca sombra do bosque, refletindo sobre o oráculo. Afinal, Deucalião falou: “Se minha sagacidade não me ilude, poderemos obedecer à ordem sem cometermos qualquer impiedade. A terra é a mãe comum de nós todos; as pedras sãos seus ossos; poderemos lançá-las para trás de nós; e creio ser isto que o oráculo quis dizer. Pelo menos, não fará mal tentar”. Os dois velaram o rosto, afrouxaram as vestes, apanharam as pedras e atiraram-nas para trás. As pedras (maravilha das maravilhas!) amoleceram e começara a tomar forma. Pouco a pouco, foram assumindo uma grosseira semelhança com a forma humana, como um bloco ainda mal acabado nas mãos de um escultor. A umidade e o lodo que havia sobre elas transformaram-se em carne; a parte pétrea transformou-se nos ossos; as veias ou veios das pedras continuaram veias, conservando seu nome e apenas mudando sua utilidade. As pedras lançadas pelas mãos do homem tornaram-se homens, as lançadas pela mulher tornaram-se mulheres. Era uma raça forte e bem disposta para o trabalho como até hoje somos, mostrando bem a nossa origem.

A comparação de Eva com Pandora é muito óbvia para ter escapado a Milton, que a apresenta no Livro IV do Paraíso Perdido:

Mais bela que pandora a quem os deuses
Cumularam de todos os seus bens
E, ah! Bem semelhante na desgraça,
Quando ao insensato filho de Jafete
Por Hermes conduzido a humanidade
Tomou, com sua esplêndida beleza,
E caiu a vingança sobre aquele
Que de Jove furtou o sacro fogo


Prometeu e Epimeteu eram filhos de Iapeto que Milton mudou em Jafete.

Prometeu tem sido um assunto preferido dos poetas. Representa o amigo da humanidade, que se colocou em sua defesa, quando Jove se irritou contra ela, e que ensinou aos homens a civilização e as artes. Ao assim fazer, contudo, desobedeceu à vontade de Zeus (Júpiter na Mitologia Romana) e tornou-se ele próprio alvo da ira do rei dos deuses e dos homens. Zeus mandou acorrenta-lo num rochedo do Cáucaso, onde um abutre lhe arrancava o fígado, que se renovava, à medida que era devorado. Essa tortura poderia terminar a qualquer momento, se Prometeu se resignasse a submeter-se ao seu opressor, pois era senhor de um segredo do qual dependia a estabilidade do trono de Jove e, se o tivesse revelado, imediatamente teria obtido graça. Não se rebaixou a fazê-lo, porém. Tornou-se, assim, símbolo da abnegada resistência a um sofrimento imerecido e da força de vontade de resistir à opressão.

Tanto Byron como Mary Shelley abordaram esse tema. São de Shelley os seguintes versos:

Titã, a cujos olhos imortais
As dores dos mortais
Mostraram-se em sua crua realidade,
Como algo que os próprios deuses vêem,
Que prêmio mereceu tua piedade?
Um profundo e silente sofrimento,
O abutre, a corrente, a rocha,
E o orgulho de sofre sem um lamento.


Byron faz alusão ao mesmo episódio em sua “Ode a Napoleão Bonaparte”:

Como o ladrão do fogo celestial
Resistirás sem medo
E compartilharás com o imortal
O abutre e o rochedo?
Não deixe de ler o artigo APOLO E FAFNE - PRÍAMO E TISBE - CÉFALO E PRÓCRIS a ser postado em breve

Personagens e Elementos da Mitologia


Deucalião
Filho do titã Prometeu e de Clímene. Era rei de Feras, na Tesália e estava casado com Pirra, filha de Epimeteu e de Pandora. Deucalião e Pirra foram os únicos sobreviventes de um grande dilúvio provocado por Zeus para punir a humanidade

Epimeteu (ou Epimetheus)
Foi irmão de Prometeu na mitologia grega. Diferentemente deste, tido com o previdente ou que pensa antes de agir, Epimeteu agia antes de pensar, ou também pode se dizer que refletia tardiamente. Foi esposo de Pandora, que do grego significa bem-dotada, foi enganado por sua esposa a abrir uma caixa que ela carregava. Ele abre a caixa a qual continha todos os males que viriam para tornar a vida do homem em um caos, mas fecha rapidamente esta, que por infelicidade deixa trancada dentro da caixa: a esperança, a qual seria o consolo da humanidade.
Pandora
Na mitologia grega, Pandora ("bem-dotada") foi a primeira mulher, criada por Zeus como punição aos homens pela ousadia do titã Prometeu em roubar aos céus o segredo do fogo.
Em sua criação os vários deuses colaboraram com partes; Hefestos moldou sua forma a partir de argila, Afrodite deu-lhe beleza, Apolo deu-lhe talento musical, Deméter ensinou-lhe a colheita, Atena deu-lhe habilidade manual, Poseidon deu-lhe um colar de pérolas e a certeza de não se afogar, e Zeus deu-lhe uma série de características pessoais, além de uma caixa, a caixa de Pandora.
Hesíodo, Os trabalhos e os dias; Primeira Parte, Trad. Mary de Camargo Neves Lafer; ed. 3a.; Iluminuras; em “Mito de Pandora e Prometeu”; pg.27-29.
(...) “Filho de Jápeto, sobre todos hábil em suas tramas, apraz-te de furtar o fogo fraudando-me as entranhas; grande praga para ti e para os homens vindouros! Para esse lugar do fogo eu darei um mal e todos se alegrarão no ânimo, mimando muito este mal’. Disse assim e gargalhou o pai dos homens e os deuses; ordenou então ao início Hefesto muito velozmente terra à água misturar e aí pôr humana voz e força, e assemelhar de rosto às deusas imortais esta bela e deleitável forma de virgem; e a Atena ensinar os trabalhos, o polideláleo tecido tecer; e à áurea Afrodite à volta da cabeça verter graça, terrível desejo e preocupações devoradoras de membros. Aí pôr espírito de cão e dissimulada conduta determinou ele a Hermes Mensageiro Argifonte. Assim disse e obedeceram Zeus Cronida Rei. (...) Fala o arauto dos deuses aí pôs e a esta mulher chamou Pandora, porque todos os que têm olímpia morada deram-lhe um dom, um mal aos homens que comem pão. E quando terminou o íngreme invencível ardil, a Epimeteu(1) o pai enviou o ínclito Argifonte veloz mensageiro dos deuses, o dom levando; Epimeteu não pensou no que Prometeu lhe dissera jamais dom do Olímpio Zeus aceitar, mas que logo o devolvesse para mal nenhum nascer aos homens mortais. Depois de aceitar, sofrendo o mal, ele compreendeu. Antes vivia sobre a terra a grei dos humanos a recato dos males, dos difíceis trabalhos, das terríveis doenças que ao homem põe fim; mas a mulher, a grande tampa do jarro alçado, dispersou-os e para os homens tramou tristes pesares. Sozinha, ali, a Expectação (2) em indestrutível morada abaixo da bordas restou e para fora não voou, pois antes repôs ela a tampa no jarro, por desígnios de Zeus porta-égide, o agrega-nuvens. Mas outros mil pesares erram entre os homens; plena de males, a terra, pleno, o mar; doenças aos homens, de dia e de noite, vão e vêm, espontâneas, levando males aos mortais, em silêncio, pois o tramante Zeus a voz lhes tirou. Da inteligência de Zeus não há como escapar!”
Caixa de Pandora
É uma expressão utilizada para designar qualquer coisa que incita a curiosidade mas que é preferível não tocar (como quando se diz que "a curiosidade matou o gato"). Tem origem no mito grego da primeira mulher, Pandora que, contra as indicações que lhe tinham dado, teria aberto um recipiente (há polémica quanto à natureza deste, talvez uma panela, um jarro, um vaso...) onde se encontravam todos os males que desde então se abateram sobre a humanidade, ficando apenas a esperança no fundo do recipiente. Existe algumas semelhanças com o mito judaico-cristão de Adão e Eva onde a mulher é, também, responsável pela desgraça do género humano.
Segundo a lenda grega, Prometeu criou o homem de argila e roubou a chama sagrada de Hélio (Deus Sol) para dar-lhe o sopro da vida. O intuito era que o homem ajudaria a cuidar de sua mãe Gáia (Terra). Porém, o homem também era imortal e assexuado, reproduzindo-se de forma rápida. Prometeu é preso e condenado a ficar acorrentado no alto de uma montanha, onde todos os dias uma águia gigante vem comer-lhe as vísceras que são regeneradas a noite. Desta forma, Prometeu está fadado a sentir dores por toda eternidade. Antes porém, ele deixa uma caixa contendo todos os males que podem atormentar o homem com seu irmão Epmeteu, pedindo que ninguém se aproxime dela. Os homens começam a desvastar a Terra e os deuses se reunem e criam uma mulher. Essa mulher - batizada como Pandora - é incumbida de seduzir Epmeteu e abrir a caixa. Naquela época os deuses ainda não moravam no Olimpo, mas sim em cavernas. Epmeteu colocou duas gaiolas com gralhas no fundo da caverna e a caixa entre elas, para que, caso alguém chegasse perto, as gralhas fariam um barulho insuportável, alertando Epmeteu. Pandora o seduziu de tal forma, que conseguiu convencê-lo a tirar as gralhas da caverna, sob o pretexto que tinha medo. Após terem se amado, Epmeteu caiu em sono profundo, Pandora foi até a caixa e abriu. Um vortéx de males tais como: a mentira, doenças, inveja, velhice, guerra, morte. Saíram da caixa de forma tão assustadora que ela teve medo e fechou antes que saisse a última delas: o mal que acaba com a esperança.

Têmis (ou Themis)
É a deusa da Justiça na Mitologia grega. Filha de Urano e Gaia e segunda mulher de Zeus. Themis utiliza a balança e a espada, buscando o equilíbrio de sua decisão e a força para sua realização.